A história do Hospital São João de Deus

Isaac Daniel
Isaac Daniel 8 minutos

Prestes a completar 178 anos de fundação, o Cidade Santa Luzia conta a história do hospital mais antigo de Santa Luzia (MG), que infelizmente se encontra fechado.

O Hospital de São João de Deus

O arraial de Santa Luzia já possuía, em 1828, um primeiro e modesto hospital, instalado, segundo informa o historiador Edelweiss Teixeira, “na rua de Trás, ou rua da Capela de Sant’Ana, do qual tomou nome.” Fundado por Leandro José Dias, esse estabelecimento funcionou até cerca de 1846, tendo prestado serviços no atendimento aos feridos da Revolução Liberal de 1842 [1]. O encerramento de suas atividades se deu logo após a criação do Hospital São João de Deus, dotado de maiores recursos.

A instalação do novo estabelecimento foi autorizada pela Lei provincial Nº 181, de 2 de abril de 1840, devendo-se a iniciativa de sua fundação ao primeiro Barão de Santa Luzia, Manoel Ribeiro Viana [2]. Para seu funcionamento, adquiriu-se então o prédio que, convenientemente adaptado às finalidades hospitalares, abriga até nossos dias a tradicional instituição.

Lei provincial Número 181, de 2 de abril de 1840


Bernardo Jacinto da Veiga, Presidente da Província de Minas Gerais: Faço saber a todos os seus habitantes, que a Assembleia Legislativa Provincial decretou, e eu sancionei a lei seguinte:

Art. 1. Fica criada no Arraial de Santa Luzia do Município de Sabará uma Casa de Caridade com o título de Hospital de São João de Deus.

Art. 2. Este hospital gozará de todos os privilégios concedidos às mais casas de caridade da província.

Art. 3. Não terá efeito a presente lei, senão depois que se realizar em termos a dotação de trinta contas de reis em Apólices da Dívida Pública prometida pelo comendador Manoel Ribeiro Viana.

Art. 4. Ficam revogadas as disposições em contrário.

Situado na rua Floriano Peixoto, número 333, o Hospital São João de Deus desfruta à sua entrada, de uma área ajardinada que separa o edifício principal do alinhamento da rua, onde corre um muro baixo encimado por grade de ferro trabalhada. A construção, de feitio térreo, tem bastante acentuado o aspecto horizontal, devido à extensão da frontaria e ao número de vãos. Estruturada em barro e madeira, com restaurações em alvenaria de tijolos, possui cobertura de telhas tipo canal, guarnecida por beirais em cimalha [3] de madeira. A fachada principal, com uma sequência de onze vãos, é singela mas harmoniosa. As janelas trazem vedação externa em caixilhos de vidro tipo guilhotina, com postigo [4] de folhas em calha bem simples com as das portas, sendo o enquadramento de todos os vãos em madeira e vergas retas. No interior, alterado por sucessivas modificações, destaca-se, como dependência mais nobre, uma pequena capela que se abre para o vestíbulo [5]. Vê-se ali interessante altar, montado com peças remanescentes de um retábulo [6] bem antigo e complementado por tábuas ajustadas. Segundo tradição local, as peças principais teriam sido aproveitadas de retábulo que pertenceu primeira capela da cidade, hoje já demolida, a Capela de Sant’Ana de José Correia. Os elementos ornamentais conservados guardam identidade de estilo com as linhas da primeira fase do barroco em Minas Gerais, notadamente nas pilastras de estrutura do retábulo e no belo trono trabalhado em rica talha.

Em 1881, durante a visita do Dom Pedro II a Santa Luzia, o imperador relatou em seu diário que o Hospital existente ficava em uma mesquinha casa.

[…] (Santa Casa de…) Misericórdia em mesquinha casa fundada pela baronesa de Santa Luzia, com apólices que o marido deixou por testamento. […]

Diário de viagem de Dom Pedro II, 9 de abril de 1881

Os rendimentos semestrais das Apólices da Dívida Pública mantinham o funcionamento do Hospital para atender os mais carentes. A Baronesa Maria Alexandrina de Almeida [7] convidou algumas pessoas da população para participar da administração, formando então a “Irmandade do Hospital de São João de Deus”. Nesse período o Hospital se manteve com esses títulos, que foram perdendo seu valor gradativamente, e também pelo trabalho incansável e abnegado da Irmandade. Na época da Gripe Espanhola [8], muitos Irmãos chegaram a se mudar para o hospital com o intuito de ajudar a tratar os doentes.

Com a criação do INPS/INSS as pessoas cadastradas por estas instituições eram tratadas e o hospital recebia pelo tratamento. Mas, quando não cadastradas o tratamento era realizado e suportado pelo Hospital.

A partir de 1990, quando o SUS (Sistema Único de Saúde) foi criado, todo o serviço prestado à população começou a ser pago pelo Governo Federal, Governo Estadual e Governo Municipal. Em Santa Luzia a Prefeitura tem gestão plena da saúde – isto quer dizer que todas as verbas Federal e Estadual destinadas à saúde de Santa Luzia são repassadas e geridas pelo Município. Este, por sua vez tem a obrigação de gastar 15% da sua arrecadação na saúde. Com estas três partes Federal, Estadual e Municipal, a Secretaria Municipal de Saúde aplica nas unidades municipais e repassa às instituições contratadas, sendo antigamente uma delas o Hospital de São João de Deus.

Devido aos problemas frequentes de repasse de verbas, o Hospital começou a apresentar dificuldades financeiras, culminando com seu fechamento em 2013. Naquele ano, a Prefeitura, depois de 5 meses de negociações, recontratou o hospital. Porém em março de 2015 o contrato foi encerrado e desde então o hospital encontra-se fechado.

Observações

1 – Revolução Liberal de 1842: foi um movimento sedicioso que agitou o Brasil durante o Império, promovido e organizado pelo Partido Liberal, que contestava a elevação do Partido Conservador ao poder.

2 – VIANA, Manoel Ribeiro: Primeiro Barão de Santa Luzia – *1767 †1844

3 – Cimalha: moldura saliente que remata a parte superior da fachada de um edifício, ocultando o telhado e impedindo que as águas escorram pela parede.


4 – Postigo: janelinha em portas ou janelas, para se olhar quem bate, sem abri-las; espreitadeira.

5 – Vestíbulo: pátio ou pórtico exterior, de acesso à entrada principal de uma construção.

6 – Retábulo: estrutura ornamental em pedra ou talha de madeira que se eleva na parte posterior de um altar.

7 – ALMEIDA, Maria Alexandrina de: Baronesa de Santa Luzia *1803 †1897

8 – Gripe espanhola: foi uma pandemia do vírus influenza que se espalhou por quase toda parte do mundo em 1918. Foi causada por uma virulência incomum e frequentemente mortal de uma estirpe do vírus Influenza A do subtipo H1N1.

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Faço conteúdo para a internet desde 2011. Entusiasta de urbanismo, história e genealogia.